BOLETIM DO COLETIVO DE JUVENTUDE VAMOS À LUTA – Construindo uma Nova Direção Juvenil (DF)
No 01 Julho de 2014
Por Isabela Alves*
Para entender como foi construída a voz feminina como
sujeito político de emancipação é necessário fazer um percurso histórico de
como se organizou os diversos movimentos de mulheres durante a história,
especialmente a do Brasil e da América Latina.
Um dos grandes êxitos do Movimento de Mulheres das
décadas de 70 e 80 no Brasil foi o de trazer ao debate público assuntos que até
então ficavam restritos à esfera privada, como a questão da violência doméstica
ocorrida contra mulheres por seus maridos. Foi na década de 70 também que a
taxa de mulheres sindicalizadas cresceu 176%. Antes ainda, houve a campanha
sufragista que resultou no direito de voto à mulher .Contudo, essas conquistas não
atingiram de forma homogênea a todas as mulheres. No caso do voto por exemplo, inicialmente
somente mulheres casadas, viúvas e solteiras com renda própria poderiam votar.
Estudiosas como Cynthia Sarti, apontam para a
modernização individualista da mulher a partir dos anos 60, com a utilização
dos métodos contraceptivos, acesso ao ensino superior, dando-se numa sociedade
altamente hierarquizada em termos de classe, raça e gênero. No Brasil, esses
avanços foram destinados em sua maioria ao Sudeste branco, urbano e mais
desenvolvido.
A década de 90 foi o período das conferências internacionais
que discutiram a questão da violência contra a mulher em uma escala mundial.
Em 2006, com a promulgação da Lei nº 11.340/06, Lei
Maria da Penha, tivemos no Brasil um marco histórico ao inserir no plano
normativo a categoria de gênero há muito estudada pelas ciências sociais. A
partir dessa lei, a violência contra a mulher pôde ser discutida também como
uma questão de gênero, categoria construída socialmente como reflexo do
tratamento desigual concedido às mulheres ao longo da história.
Salientamos que comete um erro grave quem pensa que a
discussão de gênero está descolada da discussão sobre a exploração de uma
classe sobre a outra no processo produtivo, ou sobre a exploração de uma raça
sobre a outra. Na realidade, as discussões se entrelaçam e é necessária uma leitura
madura sobre isso que dê conta da importância do tema.
A clássica frase “o
gênero nos une e a classe nos separa” vem ao encontro do entendimento de
que a mulher enquanto leitura de gênero não está descolada da sua realidade
social, dos tipos de exploração que sofre enquanto mulher trabalhadora. Por
isso, a nossa escolha enquanto luta feminista é se vincular aos nossos desafios
enquanto classe trabalhadora assalariada que convive com os desmandos dos
patrões e das patroas. Para nós, não adianta que uma mulher assuma a
Presidência da República, mas que obedeça à cartilha do grande capital
financeiro, representado pelos bancos que nos submetem ao constante corte nas
áreas sociais nas quais estão vinculadas a construção de creches e os investimentos
na política pública de enfrentamento à violência contra as mulheres. A
contradição assume um aspecto incontornável uma vez que mais de 40% do
Orçamento Geral da União são destinados ao pagamento de títulos da dívida
pública para essas instituições financeiras. Uma dívida que deveria ter sido
auditada desde 2010 após a CPI da Dívida Pública e nada foi feito.
Segundo dados da Auditoria Cidadã da Dívida Pública,
em 2013, a previsão orçamentária para o enfrentamento da violência contra a
mulher foi da ordem de R$ 191 milhões, isto é, 3.761 vezes menos que o valor
destinado à dívida pública federal no mesmo ano. Já o montante efetivamente
executado foi de R$ 135 milhões, o que corresponde a um percentual de 71% do
que havia sido previsto.
Acreditamos que as jornadas de junho, onde 57%dos
manifestantes eram mulheres, abriram as portas de uma nova situação política.
Vivemos um momento favorável para a luta de classes, com uma mudança na
correlação de forças. De um lado, estão a juventude, os trabalhadores e setores
populares, mais fortes e mais confiantes, do outro lado, na defensiva, os
governos e as velhas direções burocráticas e traidoras dos movimentos populares
e sindicais.
No meio desse processo de enfrentamento; de greves, e
de repressão aos trabalhadores por parte dos governos ligados à Dilma (PT/PMDB)
e também aos partidos da velha direita (PSDB), defendemos que a militância de
esquerda deva fazer um exercício diário de combate a qualquer tipo de opressão
que se manifesta não somente com a agressão física, mas muitas vezes com a
agressão moral e psicológica principalmente às mulheres.
Como um Coletivo historicamente combativo e que tem
centenas de mulheres liderando suas lutas, repudiamos veementemente qualquer
atitude considerada machista em nosso meio, porém, assim como o método da
dialética materialista defendido pelos marxistas, defendemos que essas práticas
devem ser desconstruídas na militância diária, pois não estamos imunes a elas e
devemos nos disciplinar diante disso.
Outro fator fundamental é o fato de acreditarmos que a
mulher deve ser o sujeito legítimo para decidir sobre o que fazer ou não com o
seu corpo. Assim, o polêmico tema sobre a descriminalização do aborto deve ser
encarado de frente pela militância de esquerda para que seja feito um debate
sério sobre o tema.
Com relação à regulamentação ou não das profissionais
do sexo, percebemos que muitos mulheres e homens esquecem de perguntar para as
próprias profissionais do sexo o que elas pensam a respeito do tema . Para nós
esse ato leva ao equívoco de querer falar pelas pessoas sem ao menos
empoderá-las como sujeito de direito de relações que as envolvem.
Isso não é nem nunca será um feminismo combativo que
deve ser perpetuado nas trincheiras das batalhas que enfrentamos todo dia. Essa
ideia de que vamos salvar alguém é totalmente distorcida, artificial.
Nesse sentido, faz-se necessário que o movimento de
mulheres amadureça sua militância, conversando com as protagonistas dessa
discussão, integrando-as à nossa luta diária e não com ideias pré- concebidas
de superioridade com relação a essas mulheres.
O Coletivo de Juventude Vamos à
Luta, vive um momento de reconstrução e reorganização de sua
luta no DF tendo como uma das prioridades, o debate e a efetivação da luta
feminista dentro dele. Por isso, faremos um debate aberto, com grupos de
leitura e discussão, roda de conversa sobre o feminismo, sobretudo o classista;
o feminismo voltado para a periferia, já que defendemos que a luta da mulher
jamais será eficaz se for centrada em um pequeno e favorecido grupo.
Acreditamos que devemos construir uma militância que preza pela formação
consciente de cada vez mais pessoas. Além de estudos que defendemos que devem
ser feitos entre as mulheres da organização.
Levantaremos também uma discussão que preze a nossa
postura de reconhecimento da necessidade da desconstrução do machismo e da
reprodução dele, de forma legítima e pedagógica, já que o machismo é uma
prática enraizada e tão forte dentro da nossa sociedade, exigindo a revisão e
desconstrução por parte de todos e todas; todos os dias e mais ainda na luta.
Por isso, convidamos a todas e a todos para essa
atividade objetivando uma troca de experiência e impressões que levem ao avanço
essa pauta tão necessária.
*Isabela Alves Reis que
é Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal
(UDF) e estudante de Letras Espanhol pela UnB. É militante do PSOL
(Partido Socialismo e Liberdade), do Coletivo de Juventude Vamos à Luta e da CST (Corrente
Socialista dos Trabalhadores). A companheira Isabela é estudiosa do
Feminismo com corte de classe com especial atenção às profissionais do
sexo.Mantém também um blog com a temática.